segunda-feira, 4 de junho de 2007

Quase tudo na Casa da Música

No passado dia 31 de Maio pude ouvir quase Tudo.
Alentejo. Amor. Lisboa.




Era Vitorino, de mão dada às palavras, passeando aquela voz tão sui generis na sala Suggia.
Fá-lo há 30 anos, com o à-vontade a que nos acostumou.
Romântico, boémio, alentejano, nostálgico, lisboeta, fatídico ou irónico, ajeita a boina como quem ajeita a alma e canta o adultério de Laurinda, recupera as cantigas de roda, a imagem de certa menina à janela, desmascara um Sr. da inexistente Leitaria Garret, marcha em Alcântara, invoca um Fado Alexandrino e arranca à memória outras histórias e até músicas que nunca havia cantado, compostas há mais de três décadas, "feitas num espírito fervente, pleno de agit-prop romântica", como lembrou.

A dada altura, elegante na pose, dramático no gesto, faz com que certo polegar com o indicador se encontre e conta-nos que um dia "um poeta surrealista pouco conhecido" lhe dera um "papelinho" com um poema e lhe dissera para dele fazer uma música.

O "papelinho" era o "Poema" de António José Forte.



Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha,
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada

alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler

alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direcção dos rios

alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar

Post Scriptum a propósito de silêncios, às vezes embaraçosos:

"Quando penso muito, engano-me nas letras.
Quando penso q.b. enquanto canto, pergunto-me o que estou aqui a fazer com esta gente tão calada a olhar para mim"

Vitorino (Salomé), Casa da Música. 31.05.07.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Desejo...

Explosivas. Crepitantes. Efémeras. Picantes.
Aveludadas. Recortadas. Ovaladas. Dedicadas.
Ponteagudas. Sisudas. Carnudas. Barrigudas.
Sorridentes. Minúsculas. Transparentes. Reluzentes.
Trans-lúcidas. Sensuais. Fatais. Jamais artificiais!
Delicadas. Decididas. Assertivas. Conclusivas.
Aborboletadas. Apadrinhadas. Esbeltas. Acarinhadas.
Cheiradas. Tocadas. Amadas.
Raras ou comuns.

Não interessa.
Flores!
De qualquer cor...

Salvador Dali. Exploding flower.Cerca de 1951


terça-feira, 29 de maio de 2007

Encantamentos a bronze


Sem título. Década de 40. Bronze



"[. . .] não era nada menos que o Amazonas, que cantava nas suas obras, que tive a felicidade de tanto admirar, em Nova York, em 1943. Cantava com todas as suas vozes imemoriais a paixão do homem, do nascimento até a morte, tal como souberam condensá-la em símbolos mais envolventes que todos os outros [. . .] Maria soube captar, como ninguém, na fonte primitiva, de onde ela emana, asas e flores, sem nada dever à escultura do passado ou do presente [. . .]"

Assim falava fascinado André Breton das obras de Maria Martins, para uma exposição da escultora brasileira em Nova York.

Entretanto. 1944. Bronze

sexta-feira, 25 de maio de 2007

O lugar ideal para os livros


Quase todos os anos caía aquela já esperada chuva miudinha... outras vezes, da mais graúda... mas tinha sempre a frescura própria das feiras e uma estátua, o Monumento às Guerras Peninsulares, por companhia. Falo da Feira do Livro do Porto, quando habitava anualmente a Rotunda da Boavista. Mais tarde, consideraram que a casa não servia e mudaram-na para uma habitação mais moderna e resguardada - o Pavilhão Rosa Mota- mas com menos encanto. E essa casa, felizmente, também não serve.

O presidente da Câmara do Porto , citado hoje pelo Jornal de Notícias, lembrava que mudar o sítio da feira "requer um investimento pesado", sobretudo, porque "os stands de rua saem mais caros", acrescentando, contudo, que "tudo indica que a feira, no próximo ano, vá para a Avenida dos Aliados". Este seria um lugar que, de certeza, honraria a Feira, tendo a Avenida a oportunidade de ficar, temporariamente, mais embelezada, já que projectos, que estão fora do meu entendimento, votaram o lugar a um minimalismo sem árvores, que muito se assemelha ao espaço "renascido" em frente ao Mosteiro de Santa Maria, em Alcobaça!...

Em Lisboa, a Feira está num belo lugar: o Parque Eduardo VII.

Por isso, estejamos mais a Norte ou mais a Sul, há que cirandar pelos livros, porque, cada vez mais, é urgente ler... bons livros!

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Fernando Lanhas na Caminho

A Caminho editou, em Maio, mais um livro da colecção "Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX", sobre Fernando Lanhas: "A Experimentação Abstracta de Fernando Lanhas- uma Vontade de Mundo", de Filomena Serra.

Já que o lembramos, acrecento que João Trabulo, antigo aluno da licenciatura em Ciências da Comunicação na UBI, realizou um documentário: "Saber Ver, Demora", sobre este pintor.

E agora, nada melhor do que pôr Lanhas a falar de si próprio, numa numa entrevista ao JornalismoPortoNet (jornal digital da Licenciatura em Jornalismo e Ciências da Comunicação da Universidade do Porto), que passo a citar:

Fernando Lanhas: "Eu não sei o que é a arte"

Publicado: 29.11.2005
Aos 82 anos, a arte permanece um enigma, porque "a arte não se entende". Quando pinta, Lanhas diz perder a "autoridade" sobre o que faz.
Em entrevista ao JPN, o arquitecto Fernando Lanhas confessa não ter qualquer tipo de definição para a arte. Talvez por isso mesmo recuse o rótulo de artista. Contudo, Lanhas integra a arte na sua vida como um meio através do qual procura compreender aquilo que o rodeia.

A arte é um dos meios que pode utilizar para compreender o mundo?

Ah, pois é! Porque quando começo a trabalhar num quadro ou numa pintura – eu chamo-lhe pintura, mas eu não sei bem se aquilo é pintura, e também não estou muito preocupado com isso –, quando estou a fazer um trabalho pintado, estou com interesse em saber o que vai acontecer no final. Porque eu não sei, não imagino. E, muitas vezes, parece que perco não a personalidade, mas a autoridade do que estou a fazer. Quando procuro uma cor, não sei o que vai acontecer e nem sei o caminho a ter. Mas, às tantas, num certo momento, digo: "é esta cor". Então, e porque é que é esta e não é aquela? O que é que nós temos, o que é que funciona em nós, o que é que comanda cá dentro? É o artista, é? É o artista que sabe? É ele que é dotado da capacidade de ser artista, ou é outra coisa qualquer?

Tem uma resposta?
Eu não sei. Parece que somos um meio, um instrumento feito homem que diz aquilo que parece que queremos dizer nesta data do mundo. A arte não se entende. Não se adivinha do que falamos. A arte só existe depois que é feita, não é? Eu não sei, mas acho que sim. Eu não leio livros de filosofia sobre arte. Mas os livros de filosofia de arte nunca nos dão aquilo que nós queremos, que nós perguntamos. Fazem a história, a interpretação. Mas aquilo que nós queremos mesmo saber, eles não dizem. Eles [os autores] são homens como nós! Não podem saber mais do que nós. Não podem ter aprofundado nem ter perdido mais tempo do que nós a fazer a mesma coisa! Eu passei a vida a fazer esta pergunta que estou aqui a fazer a si, e que hei-de continuar a fazer. Eu não mudei nada, só apurei porque aprendi mais e procurei saber. E a arte é como a ciência. A gente na arte também não tem muita resposta.

O que é a arte?
Mas o que eu tenho estado aqui a dizer-lhe é que não sei!

Considera-se um artista?
Eu nunca pensei nisso! Não faça perguntas esquisitas.

Em 1994, em entrevista ao jornal “Público”, afirmou que "ser artista é o pior que pode acontecer aos homens". Continua a pensar assim?
Sim, porque dizer "eu sou um artista", além de feio, é comprometedor. O nosso desejo de traduzir certas coisas, que nós sabemos que é possível mas temos dificuldade, é um drama. E, às vezes, conseguimos aquilo que queremos. Não é que esteja bem, mas é o que queremos. Conseguimos, e achamos que sim. Outras vezes, damos voltas e voltas e não conseguimos. Não era isto, não resultou. Depois vem uma pessoa de fora, que não sabe, e diz: "isto está muito bem, isto é interessante", e nós ficamos a pensar "eu julguei que não, e ele julgou que sim".

Por que é que isso acontece?
Não sei. É assim. O artista, às vezes, não é bom crítico. E eu conheço artistas bons que não são bons críticos. Não sabem o bom que fazem e julgam que aquilo não é tão bom. Mas, como é que havemos de os empurrar? Eles não chamaram por nós! E às vezes é desagradável dizermos "tu não sabes, mas tu és um artista. Tu tens valor, mas não sabes". É capaz de haver um ditado chinês que diz como se deve proceder: "aquele que sabe e não sabe que sabe, desperta-o". Não é bem o caso, mas está perto.

Ana Correia Costa

Um Século de Aplausos para Cícero Dias

A 5 de Maio de 2007 comemorou-se um século de Cícero Dias.

Também o aplaudo.

Pelas pinturas belíssimas das décadas de 20 e 30.
Pelo sonho e a imaginação.
Pela ternura e acalmia que sinto nos seus quadros.
Pelas cores usadas
que não votaram a sua obra ao arrefecimento.

A Difícil Partida,
década de 20.
Aguarela sobre papel.


Brincadeiras, década de 1920. Óleo sobre tela.

Sem título, 1929. Aguarela sobre papel


Descanso, década de 1930. Aguarela sobre papel.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

As nêsperas e as perigosas esperas


RIFÃO QUOTIDIANO

Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver o que acontecia

chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a

é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece

Mário-Henrique Leiria